A alegação não é recente e tem sido repetida em vários vídeos partilhados nas redes sociais: “Comer alimentos em conserva provoca cancro devido à presença de BPA que migram da embalagem para a comida”.

BPA significa bisfenol A, uma substância utilizada no fabrico de alguns materiais e objetos destinados a entrar em contacto com alimentos, como parte das resinas que constituem a base de vernizes e revestimentos aplicados na superfície interna e externa de latas de conservas.

Mas será verdade que essa substância pode migrar para os alimentos e provocar cancro?

Comer alimentos em conserva causa cancro?

Elsa Madureira, nutricionista clínica na área da oncologia, diz que “não há uma relação de causalidade entre o Bisfenol A e o aumento do risco de cancro”. Ou seja, não é verdade que comer alimentos em conserva provoque cancro.

Mesmo que alguns estudos mostrem associação entre a exposição a BPA e risco de cancro, “não concluem que existe causalidade, até porque é muito difícil estabelecer essa relação já que é difícil determinar dosagens e tempo de exposição”, refere a nutricionista.

Os autores de um estudo de coorte publicado em 2024 identificam exatamente esse problema: “os níveis de BPA foram avaliados exclusivamente através de amostras pontuais de urina no início do estudo, não oferecendo informações sobre a exposição prolongada ao BPA ou flutuações nas concentrações de BPA no organismo”.

E davam conta de um possível viés: “É importante notar que a generalização deste estudo pode ser limitada devido à exclusão de participantes com dados covariáveis incompletos [fala de informações em algumas das variáveis usadas], o que pode introduzir um viés de seleção.”

Neste estudo, que contou com mais de oito mil participantes, as conclusões não foram claras: a relação entre a exposição a BPA e a mortalidade por cancro não ficou esclarecida.

Em dezembro de 2024, uma norma da UE definiu a proibição de BPA em embalagens que estão em contacto com alimentos. “O BPA pode migrar para os alimentos a partir do material ou objeto com o qual esses alimentos estão em contacto, causando a exposição dos consumidores desses alimentos ao BPA”, lê-se na introdução do regulamento.

A proibição é faseada: por exemplo, para frutos, produtos hortícolas e de pesca só será proibida totalmente a utilização de embalagens sem BPA a partir de 20 de janeiro de 2028, 36 meses depois da entrada da lei em vigor.

Isto devido à “natureza sazonal” destes alimentos que “cria picos na produção de alimentos e, por conseguinte, na procura de embalagens durante determinados períodos, que não podem ser satisfeitos apenas com embalagens fabricadas sem BPA, durante o período de transição normal de 18 meses”.

Esta é uma medida preventiva e em nenhum ponto do regulamento a exposição a BPA é associada a cancro — essa palavra nem sequer consta da lei.

Em abril de 2023, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, na sigla inglesa) emitiu um parecer relativo ao BPA, no qual concluiu que uma dose de referência diária pode “exercer uma série de efeitos adversos, nomeadamente ao sistema imunitário, que considerou ser o mais sensível aos efeitos” do composto. A EFSA também observou efeitos metabólicos adversos, bem como efeitos nocivos nos sistemas reprodutor e de desenvolvimento.

A conclusão vem da análise de evidências provenientes de dados em animais e o apoio de estudos observacionais em humanos.

No mesmo documento, estabeleceu uma dose diária admissível de 0,2 nanogramas por quilograma de peso corporal — um valor 20 mil vezes inferior ao definido em 2015 (4000 nanogramas por quilograma), utilizado na maior parte dos estudos que levaram às conclusões do parecer e à diminuição da dose diária admissível.

“O bisfenol A é um disruptor endócrino, pode ter efeitos em todo o sistema”, explica Elsa Madureira. É daí que surge a hipótese — não comprovada — de que este composto pode provocar cancro.

De qualquer forma, “uma pessoa que faça um consumo normal, que não seja exagerado, em princípio não terá nenhum problema”. Para quem não quer correr nenhum risco, pode ser uma boa opção “preferir as versões em vidro, principalmente das leguminosas, onde se verifica um grande consumo”.

“As latas de atum ou de sardinha são uma boa forma de consumirmos mais peixe, e até peixe gordo, o que seria recomendável”, diz a nutricionista. Por isso, vale a pena consumir esses alimentos em lata “uma vez que em vidro ainda há muito poucas opções”. E esse consumo não será suficiente para ter impacto negativo.

Entretanto, até janeiro de 2028, na União Europeia, as embalagens deixarão de ter BPA de forma faseada.

 

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do “Vital”, um projeto editorial do Viral Check e do Polígrafo que conta com o apoio da Fundação Champalimaud.

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De: https://viral.sapo.pt/factos