Num vídeo partilhado no TikTok sugere-se, com base num estudo, que comer kiwi todas as noites antes de dormir ajuda a adormecer mais rápido e a dormir melhor. Segundo o autor da publicação, o suposto efeito do kiwi na promoção do sono deve-se ao facto de esta fruta ser rica em melatonina. Além disso, alega-se que o kiwi tem a vantagem de não ter “os efeitos colaterais dos remédios para dormir”. Mas será mesmo assim? O kiwi ajuda a adormecer e a dormir melhor?

É verdade que comer kiwi antes de dormir ajuda a adormecer e melhora a qualidade do sono?

Em declarações ao Viral, a nutricionista Inês Mazagão adianta que não há provas de que comer kiwi antes de dormir ajuda a adormecer mais rápido e que a evidência científica disponível sobre o efeito desta fruta no sono não é robusta.

Segundo Inês Mazagão, “o kiwi tem vindo a ser estudado há muito tempo” no âmbito do sono, mas “não se conseguiu provar que o kiwi ajuda na melhoria do sono, porque os estudos não são robustos, ou seja, não têm pessoas suficientes e os marcadores da qualidade do sono eram subjetivos, em questionários não validados”.

Em estudos anteriores sugeria-se que “o kiwi era rico em serotonina” (neurotransmissor que, entre outras coisas, ajuda a regular o sono) que “depois se convertia em melatonina” (hormona do sono), se “uma pessoa tivesse um estado nutricional adequado”, explica.

No entanto, percebeu-se que a serotonina do kiwi “não atravessava a barreira hematoencefálica” (estrutura que impede a passagem de certas substâncias do sangue para o cérebro), logo, “não podia ter um efeito benéfico no sono porque não se transformava em melatonina”.

Recentemente, alguns estudos – como o mencionado no vídeo do TikTok – têm reportado que alguns alimentos como “o kiwi” e “a tart cherry” (cereja ácida ou ginja) já têm melatonina na sua composição, por isso, podem “ter um efeito benéfico no sono”, refere a nutricionista.

No entanto, a evidência científica disponível não é robusta o suficiente para se afirmar que o consumo de kiwi, por si só, faz dormir melhor.

Além disso, ao contrário do que se dá a entender no vídeo partilhado, o estudo mencionado “não mostra” que o consumo de kiwi antes de dormir ajuda a adormecer mais rápido.

Tal como explica Inês Mazagão, “quando comparamos o grupo de intervenção (que comeu dois kiwis uma hora antes de dormir) com o grupo placebo”, não há “diferenças significativas”.

Em relação à qualidade do sono, o estudo sugere, com base “em questionários validados”, que “existe um efeito positivo”, associado “à rotina do consumo de dois kiwis uma hora antes de dormir”, prossegue.

Ainda assim, na perspetiva da nutricionista, é importante salientar que este estudo tem muitas variáveis e também tem limitações. Além disso, não é suficiente para tirar as conclusões apresentadas no vídeo do TikTok.

Em primeiro lugar, o estudo baseia-se “num questionário subjetivo”. As pessoas “até podem dormir melhor, mas isto pode estar até relacionado com a rotina de comer os kiwis antes de dormir, ou seja, toda esta questão aliada, também, a uma higiene do sono”, explica.

Por outro lado, defende Inês Mazagão, não é particularmente “benéfico comer uma hora antes de dormir, como sugerem no estudo”. É, geralmente, recomendado “fazer a última refeição, no mínimo, duas horas” antes de dormir, altura em que “a melatonina começa a ser sintetizada”.

Além disso, há outros fatores a ter em conta, nomeadamente o facto de o estudo ter sido feito “em atletas, e não na população geral”, e “em contexto de pandemia”. Isto significa que “há muitas variáveis” que podem alterar os resultados.

Por último, acrescenta, “dois kiwis têm uma quantidade muito baixa de melatonina para terem um efeito significativo no sono”, ou seja, “não é como tomar melatonina”. Por isso, seguir esta prática nunca iria ser suficiente para pessoas com insónias, por exemplo.

Qual o impacto da alimentação no sono?

As várias instituições nacionais e internacionais do sono reconhecem a importância da alimentação na qualidade do sono.

Nesse sentido, referem-se algumas estratégias relacionadas com a alimentação que têm impacto neste contexto. Por exemplo, num guia da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) recomenda-se evitar “refeições muito pesadas à noite”, mas salienta-se também a importância de “não ir para a cama com fome”.

O ideal, destaca-se num texto da Sleep Foundation, é fazer a última refeição duas horas antes de deitar, porque comer muito tarde e perto da hora de dormir “pode levar a um sono menos repousante”.

As bebidas com cafeína, o chocolate e as bebidas energéticas devem ser evitadas “no final do dia”, porque podem manter a pessoa acordada “ou interferir com as fases do sono”, sublinha-se no guia da SPP.

No mesmo sentido, é importante “evitar a nicotina e o álcool 4 a 6 horas antes de ir para a cama”, porque, mesmo que estas substâncias não impeçam a pessoa de adormecer, “podem alterar a qualidade do sono”, acrescenta-se.

No texto da Sleep Foundation recomenda-se ainda a manutenção de uma alimentação geral equilibrada, rica em “frutas e legumes” e com “quantidades adequadas” de “hidratos de carbono, gorduras e proteínas”.

Sabe-se que “o consumo excessivo ou insuficiente de proteínas pode ter um impacto negativo no sono”, aponta-se.

De: https://viral.sapo.pt/factos