E se fosse possível acabar com o mal-estar que sente sempre que viaja de carro ou de barco em apenas dez minutos? É isto que prometem as marcas que vendem os chamados óculos contra o enjoo do movimento. Muitas pessoas já experimentaram estes produtos e algumas delas reportam sentir um alívio dos sintomas. Mas será que os óculos contra o enjoo do movimento são comprovadamente eficazes? E tratam esta condição?
Os óculos contra o enjoo do movimento funcionam?
Em esclarecimentos ao Viral, Sandra Duarte Costa, presidente da Associação Portuguesa de Otoneurologia (APO), adianta que os óculos contra o enjoo do movimento “não são dispositivos médicos”, por isso “não são prescritos nem fazem parte do arsenal médico”.
De facto, não se faz qualquer menção à utilização destes óculos como forma de prevenir ou tratar o enjoo do movimento (ou cinetose) nos vários sites de organizações internacionais de saúde.
De modo geral, os óculos contra o enjoo do movimento têm quatro círculos transparentes – dois na zona frontal e um em cada lateral – preenchidos com um líquido colorido.
Quando um determinado veículo está em movimento, supostamente, os óculos simulam a linha do horizonte, o que alivia os sintomas do enjoo.
Os fabricantes recomendam que os óculos sejam colocados ao primeiro sinal de enjoo e que sejam usados até que os sintomas passem.
Segundo as marcas que vendem este tipo de produto, os óculos contra o enjoo do movimento são eficazes e funcionam para quase todas as pessoas.
No entanto, até à data, não existe evidência científica disponível que corrobore essas alegações.
Há apenas um estudo, publicado em 1998, que revelou que os óculos prisma (criados para corrigir a visão dupla) podem ser eficazes no alívio dos sintomas da cinetose.
Ainda assim, estes óculos nada têm a ver com os produtos vendidos atualmente como óculos contra o enjoo do movimento.
Sandra Duarte Costa explica que “a cinetose ou enjoo do movimento corresponde à perturbação que algumas pessoas desenvolvem nas deslocações de automóvel, barco ou comboio, apresentando sintomas como náusea e vertigem”.
Também é possível que a cinetose surja “em ambientes com múltiplos estímulos visuais, como centros comerciais, concertos, supermercados”.
Aliás, refere a presidente da APO, “a sobrecarga visual a que adultos e crianças estão sujeitos nos dias de hoje – múltiplos ecrãs, telemóveis, tablets, televisões e as deslocações frequentes – pode potenciar esta situação”.
Esta condição ocorre, porque “o ouvido interno envia ao cérebro sinais diferentes daqueles que os olhos estão a ver”, causando mal-estar, esclarece-se num texto informativo publicado no site do Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla inglesa).
Segundo Sandra Duarte Costa, o enjoo do movimento “é frequente em crianças em que o sistema vestibular (parte do ouvido interno responsável pelo equilíbrio) ainda não atingiu a maturidade”.
Além disso, a cinetose também pode surgir “no decurso de vertigem aguda ou crónica não compensada” ou em “doentes que sofrem de enxaquecas”, acrescenta.
Dado o impacto que a cinetose pode ter na vida quotidiana do doente, na perspetiva de Sandra Duarte Costa, o enjoo do movimento “pode e deve ser tratado” da forma adequada.
Como lidar com o enjoo do movimento?
Existem várias abordagens para lidar com a cinetose, cuja aplicação vai depender do nível de gravidade da condição que a pessoa tem.
Por um lado, como se assinala num documento da Ordem dos Farmacêuticos, “a terapêutica farmacológica é útil na prevenção da cinetose, mas pouco eficaz no seu tratamento, uma vez que a cinetose induz estase gástrica que interfere com a absorção dos medicamentos administrados por via oral”.
Assim, salienta-se, quando utilizados, “os fármacos são mais eficazes quando associados a modificações comportamentais ou ambientais”.
Quando o enjoo do movimento não condiciona o dia a dia de uma pessoa de forma excessiva, algumas estratégias podem ajudar a prevenir os sintomas da condição.
Num texto informativo publicado no site dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla inglesa), recomenda-se: sentar na parte da frente de um carro ou autocarro, escolher um lugar à janela em voos e comboios e, se possível, tentar dormir ou “olhar para o horizonte”.
Evitar fumar, manter a hidratação adequada e limitar as bebidas com álcool ou cafeína também são estratégias que parecem ajudar a prevenir a cinetose (veja mais dicas aqui e aqui).
Noutro plano, em contexto de cinetose mais condicionante, na visão de Sandra Duarte Costa, o tratamento através de “programas de reabilitação vestibular, nomeadamente com o recurso a estimulação optocinética e uso de realidade virtual”, é mais eficaz a longo prazo.
Os pacientes com queixas de cinetose e dependência visual elevada devem ser avaliados “por um médico especialista na área da otoneurologia para averiguar o funcionamento vestibular e o compromisso do equilíbrio”, explica.
A partir dessa avaliação é possível perceber o mecanismo subjacente à cinetose e à dependência visual, fazer a reabilitação destes doentes” e “tratar com sucesso e de forma duradoura quem sofre destas condições”, sustenta a especialista.
Este tipo de tratamento é sempre composto por um programa de exercícios personalizado que vai “induzir um conflito entre as informações captadas pelos vários sistemas que contribuem para o equilíbrio, nomeadamente a visão, o vestíbulo (ouvido interno) e os músculos e articulações sobretudo dos pés e região do pescoço”.
Numa fase inicial, “a instabilidade pode ser agravada e os movimentos provocam perturbação e mesmo náuseas”, avisa Sandra Duarte Costa.
Aliás, “o grau de dificuldade dos exercícios aumenta progressivamente, devendo os mesmos ser testados no limite da capacidade do paciente”.
Estes exercícios serão interrompidos “quando deixarem de causar perturbação”, conclui.