Ao entrar numa sala em que nunca esteve, sente que já conhece o espaço. É como se já estivesse estado naquele lugar – algo que sabe ser impossível. Parece até que sabe o que vai acontecer a seguir. Se já teve esta sensação, é porque experienciou um déjà vu (termo francês que significa “já visto”).

Segundo a definição da enciclopédia Britannica, um déjà vu é a sensação de já ter experienciado algo anteriormente, ou seja, é um fenómeno que faz com que a pessoa processe um estímulo que, supostamente, nunca foi vivenciado como sendo algo familiar.

Mas o que acontece no cérebro quando ocorre o déjà vu? O que causa este fenómeno de falsa familiaridade perante uma situação nova? Inês Margarido, neurologista do Hospital Universitário de São João, e Maria Moreno, psiquiatra, explicam o que a ciência sabe sobre o déjà vu e o que ainda falta descobrir.

O que é um déjà vu? E o que acontece a nível neurológico?

déjà vu é “uma sensação súbita e instantânea de familiaridade perante um estímulo – seja uma situação, um local, um cheiro ou um som – que, racionalmente, sabemos nunca ter acontecido”, explica ao Viral a neurologista Inês Margarido.

cérebro faz a pessoa achar que já viveu aquela situação, quando o indivíduo tem a consciência de que não a viveu”, acrescenta a especialista.

Trata-se de um fenómeno “normal e saudável”, sendo mais frequente em pessoas jovens (entre os 15 e os 30 anos). É também mais comum em indivíduos que viajam muito e se expõem a experiências novas, podendo ainda estar associado a privação de sono, ansiedade, stress ou cansaço.

“A sensação de déjà vu é um fenómeno perfeitamente normal e não patológico, que acontece nas pessoas saudáveis”, afirma a neurologista, sublinhando que “entre 60% e 80% da população reporta já ter tido pelo menos uma sensação de déjà vu”.

Também a psiquiatra Maria Moreno caracteriza o déjà vu como uma “sensação súbita de estar a reviver uma situação que, na realidade, está a acontecer pela primeira vez”. A especialista sublinha que este fenómeno integra-se nas paramnésias, termo usado para definir distúrbios de memória que ocorrem quando “o cérebro se engana ao reconhecer algo”.

“É simplesmente o cérebro, em modo ilusionista, a criar uma ilusão de familiaridade. O cérebro aperta o botão da ‘recordação’ sem termos vivido nada previamente para recordar”, acrescenta.

Mas o que causa o déjà vu? Na verdade, não se sabe exatamente o que está na origem desta sensação de familiaridade desajustada.

Por ser “espontâneo, rápido e subjetivo”, o déjà vu é difícil de estudar cientificamente: “É como tentar estudar um raio que cai do céu: sabemos que existe, mas ele não cai quando o cientista manda”, compara Maria Moreno, lembrando que este fenómeno “aparece sem aviso, dura poucos segundos e é muito dependente do relato de cada um”.

Apesar da pouca evidência científica, existem teorias que procuram explicar o que acontece quando o indivíduo tem um déjà vu. A “explicação do processo duplo” é a teoria mais consensual entre a comunidade científica.

Segundo esta teoria, o déjà vu resulta de uma perturbação no normal funcionamento de dois processos cognitivos independentes (um de perceção e outro de memória) que, normalmente, atuam em simultâneo. Esta descoordenação proporciona uma falsa sensação de familiaridade, perante um estímulo novo.

“É uma espécie de ‘erro de etiquetagem’: o cérebro marca o presente como ‘memória antiga’, quando não passa de uma experiência recente”, afirma Maria Moreno, lembrando que as estruturas responsáveis por armazenar e comparar memórias estão localizadas no lobo temporal (zona do cérebro).

Segundo uma revisão sobre a experiência do déjà vu, publicada em 2003, este fenómeno deriva de uma “perturbação do funcionamento normal de dois processos cognitivos distintos, mas interativos”. Esta perturbação pode fazer com que os dois processos mnemónicos, que “operam em conjunto”, se tornem “ocasionalmente assíncronos” ou, por outro lado, que um seja “ativado na ausência do outro”.

Dentro desta teoria, existem diferentes correntes sobre quais os processos envolvidos no déjà vu, com alguns investigadores a defenderem que se trata dos processos de “familiaridade e recuperação”, outros a afirmar que está associado à “perceção e memória” ou à “dupla consciência”.

Outra justificação passa pela “atenção” do indivíduo. Inconscientemente, o cérebro poderá estar a processar o mesmo estímulo em zonas diferentes, originando um desfasamento de milissegundos entre áreas. Esta situação poderá fazer com que a informação nova seja entendida como algo já processado anteriormente, provocando o déjà vu.

“Este fenómeno pode resultar da dessincronização entre o estímulo que chega pelas vias aferentes e o processamento consciente da informação, o que faz com que percebamos um estímulo como repetido, quando na realidade não o é”, explica Inês Margarido, acrescentando que este desfasamento é “muito rápido”.

À luz desta teoria, o déjà vu ocorre quando a mesma situação é percecionada em dois momentos – o primeiro sob atenção reduzida, o segundo sob atenção plena. A segunda impressão corresponde à experiência que ocorreu “momentos antes sob atenção reduzida”, contudo, “o indivíduo não identifica conscientemente a experiência anterior como tendo ocorrido há alguns instantes, mas atribui-a a um passado mais longínquo”, pode ler-se no artigo supracitado.

Numa terceira teoria, apresentada na revisão, refere-se que o déjà vu está associado à “memória”. Este fenómeno resulta de um “reprocessamento” de informação que foi anteriormente processada inconscientemente – não na mesma altura, mas noutro contexto.

A ideia parte do pressuposto de que as pessoas “processam uma quantidade considerável de informação sem lhes prestar atenção consciente” e, por isso, o reprocessamento de um detalhe poderá causar uma sensação de familiaridade subjetiva, apesar de não existir uma memória concreta.

Num artigo, publicado em 2005, explica-se que, apesar de existirem várias teorias sobre o déjà vu, “todos os estudos neuroanatómicos [à data] foram conduzidos em pacientes com cérebros não normais, que poderão não ter experienciado um verdadeiro déjà vu”. Por ser um fenómeno pontual e imprevisível, existe pouca evidência científica sobre o déjà vu.

Quando é que o déjà vu passa a ser patológico?

Ter um déjà vu pontualmente não implica qualquer problema de saúde. Mas, quando este fenómeno é repetido, intenso e prolongado, deixando a pessoa confusa e estranhamente desconfortável, podemos estar perante uma situação patológica.

A doença mais associada a este fenómeno é a epilepsia do lobo temporal, sendo o déjà vu um dos sintomas que antecede uma crise epilética. Em situações mais raras, este fenómeno pode estar associado a lesões cerebrais (por trauma ou tumor), perturbações dissociativas ou alguns tipos de demência.

“O déjà vu patológico, por definição, está associado a epilepsia, em particular epilepsia do lobo temporal – a zona cerebral que pensamos também estar envolvida no déjà vu não patológico”, explica Inês Margarido.

Quando o déjà vu está associado a epilepsia, o fenómeno pode “durar alguns minutos e associa-se a outros sintomas” que antecedem uma crise epilética, prossegue a especialista.

Além da familiaridade, as pessoas podem ter “períodos de paragem psicomotora”, “movimentos despropositados e involuntário dos membros”, “alucinações olfativas” ou uma “sensação de calor que sobe da barriga até ao peito” (conhecida como aura epigástrica).

Também Maria Moreno distingue o déjà vu “normal” do patológico pela sua intensidade e frequência. “O déjà vu normal é raro, dura só alguns segundos, não causa mal-estar e a pessoa sabe que foi ‘só uma sensação estranha do cérebro’. Já o patológico é intenso, acontece muitas vezes, pode vir em sequência e pode deixar a pessoa confusa, ‘desligada’ ou estranhamente desconfortável.”

Na revisão sobre a experiência do déjà vu, apresenta-se uma quarta teoria para o justificar: a “explicação neurológica”. Partindo do conhecimento sobre o déjà vu patológico, alguns investigadores sugerem que este fenómeno “resulta de uma disfunção neurológica que envolve convulsões ou de uma alteração na velocidade da transmissão neural normal”.

“Uma vez que o déjà vu faz parte da aura pré-crise em algumas epilepsias do lobo temporal, uma extensão lógica é que o déjà vu em indivíduos não epiléticos resulte de uma pequena crise epilética no lobo temporal”, pode ler-se no artigo. É importante sublinhar que a referida “extensão lógica” é apenas uma teoria explicativa e não existe evidência científica robusta para validar esta relação.

No entanto, ambas as especialistas garantem que o déjà vu, por si só, não deve causar preocupação. Inês Margarido sublinha que este fenómeno “pode ser uma coisa perfeitamente normal e saudável” e apenas poderá soar alarmante se for “frequente, intenso e associado a outros sintomas”. Apenas nesses casos, aconselha a neurologista, deverá consultar um médico especialista.

Por: Filipa Traqueia

De: https://viral.sapo.pt